"Dois filmes femininos" por Marcelo Ikeda

Humano, egocêntrico, de Lena Araújo
O que é um plano? Um encontro. O que pode ser um plano senão um encontro? Em humano, egocêntrico, Lena Araújo utilizou os princípios da videodança para fazer dançar Lumière e saltar direto no cinema contemporâneo. Um plano é um encontro, e um encontro é um gesto. Daí que o filme é uma aventura delicada entre dois corpos que se fundem, entre as duas bordas do quadro, entre estar-lá e não-estar-aqui. Um desejo. Um plano, um gesto, um movimento. Um movimento delicado. Desesperadoramente delicado. Um encontro delicado, mas rigoroso e preciso. Nessa aventura, os movimentos trafegam os limites do enquadramento, transbordam de si. Ser e não ser. A presença pelo corpo da dança e a ausência pela holografia da projeção digital. Um encontro, acima de tudo entre o cinema e o mundo, entre o corpo e a representação. Um beijo, um toque, um gesto. O que é um plano mesmo?

Jaime, de Luciana Vieira
Uma filha que vê um pai que visita um pai. Uma despedida. Um filme sobre um diálogo: diálogo de um pai com um pai, de uma filha com um pai, de uma câmera com um quarto, de uma realizadora conosco. Uma intimidade compartilhada de forma delicada. Olhares que mostram o que esses olhares não mostram. A necessidade do afeto diante do luto. Um filme de resistência. A palavra contra o silêncio. É preciso resistir. Um filme político. A imagem íntima como uma política da resistência. Eu te amo.

Dia 01 - Impressões despretensiosas.

Hoje não vinha ao caso procurar por quaisquer indícios de unidade entre as obras apresentadas na Mostra Percursos – 2011.1. Aliás, se fossem encontrados, tais indícios talvez fossem fatores preocupantes em um curso que deve se orgulhar pelo seu potencial de diversidade. Com um público expressivo – tanto em quantidade quanto em manifestação - a sessão de hoje nos relembrou o papel fundamental do espaço universitário dentro de um campo tão plural e indefinido como o cinematográfico: a experimentação de jovens que, em busca de portos seguros criativos, acabam se aventurando em terrenos ora promissores, ora ingênuos, mas acima de tudo sinceros.

E se por um acaso qualquer a sinceridade transcende qualquer atribuição promissora ou ingênua que possamos designar esses trabalhos, é porque o que está em jogo aqui não são os resultados obtidos – que não deixaram a desejar, para mim – mas porque esse prisma não nos interessa nesse exato momento. Ver as obras sendo exibidas a um público que se deixava contagiar, ver as alternativas encontradas para cada pepino que com certeza apareceu ao longo do processo, ver qualquer traço de maturidade em obras que poderiam muito bem não possuí-lo é motivo de orgulho e satisfação.

A primeira sessão – O estado das coisas - se apresentou quase como um mosaico de vários pequenos trechos do que foi um semestre bastante agitado no Curso de Cinema e Audiovisual da UFC. Cada obra apresentada trazia consigo o questionamento de “que limitações e instruções os alunos tiveram para executar tais propostas”. O que fez com que os filmes se tornassem muito mais interessantes de serem vistos, pois se encontravam ancorados em certas estruturas pré-definidas, possibilitando talvez uma exploração maior de certos recursos utilizados.

Assim, a imagem de VHS foi explorada incansavelmente em Tudo o que você queria ser (de Lara Vasconcelos), fugindo de uma busca por uma perfeição técnica tão comum em diversas produções e construindo o ar de rastros e memórias proposto pela realizadora. As relações sutis entre as linhas narrativas de Entre as seis e as doze (de Luciana Vieira) talvez não tivessem sobrevivido ao processo criativo se não fossem o direcionamento do exercício, que permitiu ao grupo explorar relações dos corpos e ações dos personagens através de uma construção espacial-temporal.

Da mesma forma, a voz como narração também foi utilizada em Urbanos II (de Arinda Roll) e Manumissão (de Mariana Nunes), indicando a procura pelo espaço que as palavras faladas muitas vezes têm dificuldade de conquistar e buscando inseri-las em um contexto que não apenas caibam, mas que sejam necessárias, assumindo assim todos os riscos. Até mesmo a utilização da música como trilha sonora e sua relação com as imagens propostas puderam ser experimentadas durante os exercícios, como em Réquiem (de Arinda Roll), Adeus (de Al Mitchu) e Drugs (de Leandro Bezerra, P.H. Diaz e Flor Fonteneles), filmes que ao adotarem a estética do videoclipe proposta anteriormente, nos apontam para as potencialidades da música como catalisadoras de sentimentos e sensações. Já em Fetiche Branco (de Lohayne Lima e Tiago Alves), a música assume um caráter quase necessário, tornando-se peça-chave da construção de uma atmosfera indispensável à narrativa proposta, assim como em D[u]o (de Lohayne Lima e Mariana Lage), em que ela própria parece se colocar anteriormente à existência da imagem.

Aplausos particulares para Humano, Egocêntrico (de Lena Araújo), que de uma forma bastante sensível, criativa e indomável, procurou capturar as noções e relações de extrema força entre os seres humanos com eles próprios. Assim os exercícios exibidos, de uma forma ou de outra, acabaram se aventurando por percursos não apenas válidos – afinal de onde ou de quem viria essa validação? – mas concernentes a toda uma discussão que se espera de uma universidade.

A segunda sessão – É impossível aprender a arar lendo livros -, apesar de também ser composta por exercícios, apresentou fragmentos audiovisuais um tanto mais fechados e longos do que os anteriores, talvez por serem os exercícios finais de uma disciplina na qual o foco maior era pensar a linguagem cinematográfica básica. Tais fragmentos puderam ser comparados com os primeiros exercícios do ano dos grupos em questão, transformando a sessão em mais uma interessante oportunidade de se apurar para onde estão caminhando – entendendo obviamente que caminho algum é fechado – esses jovens realizadores.

Apesar de aspectos particulares de cada obra – o espaço e o tempo dados às ações dos personagens em Noites Eternas (de Mariana Gomes e Mariana Lage); a delicadeza com que foi tratada a história de Alvejado (de Renata Rolim); a proposição instigante de a vida imitar o cinema em Cópia (de Wislan Esmeraldo e Regis Cunha) e a construção de ambiência em Casarão (de Mariana Mori) -, o que mais me chamou a atenção nesse momento foi a liberdade que as equipes demonstraram ter ao redimensionar os primeiros exercícios em novas obras, possivelmente mais completas e complexas. Entendendo as possibilidades que o cinema poderia oferecer, cada grupo desenvolveu suas próprias questões de formas diversas, e isso se torna mais bonito ainda quando percebemos que todos eles partiram praticamente de um mesmo ponto em comum de utilização de elementos cinematográficos.

Enfim, depois das duas sessões comentadas, saí da sala de exibição feliz por ter tido a oportunidade de acompanhar não apenas as obras, mas os nervosismos e ansiedades escondidos por trás de cada uma delas, inclusive da escrita deste texto. Nessas horas, a emoção de vislumbrar a construção de visões de mundo e buscas estéticas-políticas-criativas é bem maior do que qualquer outra coisa. Apesar de estarmos todos numa parte do começo de um longo caminho, já podemos levantar das poltronas de cinema não apenas como espectadores, mas realizadores conscientes de que possuímos um lugar importante no mundo, ainda que não saibamos qual.

Fortaleza, 17 de junho de 2011
por Victor Costa Lopes 

DIA 16 - 17:00 - Programa I: O Estado das Coisas | Múltiplos Trabalhos do Curso de Cinema e Audiovisual

<< É a descoberta constante, é aprender a enxergar o mundo de novos ângulos, é aprender a se conhecer. Fazer Cinema requer disposição, e não apenas aquela física, mas disposição para construir e quebrar conceitos, buscar o novo e reciclar o velho. É uma eterna construção, em nós mesmos e por nós mesmos. Tentamos transformar em imagens aquilo que sentimos. E sentimos amor. Cinema é amor. >> Lílian Cunha

                     Fetiche Branco
                     de Lohayne Lima e Tiago Alves (8'33'')
                     Um casal de alta classe que vive um casamento fracassado. 
                     A esposa vê na traição uma forma de fuga desse fracasso.

                     Réquiem
                     de Arinda Roll (4'22'')
                     Narra a tragetória de uma jovem do instante de sua morte até sua 
                     passagem definitiva para uma outra vida.

                     Manumissão
                     de Mariana Nunes (2'15'')
                     Um beijo terno em Júlia.
 
                     Adeus
                     de Al Mitchu (3'42'')
                     A dor da perda é um fenômeno universal e sua reação pode ser 
                     parecida em pessoas diversas.

                    Entre as Seis e as Doze
                    de Luciana Vieira (9')
                    Entre as seis e as doze um casal se separa.

                      Drugs
                      de Leandro Bezerra, P.H. Diaz e Flor Fonteles (2' 27'')
                      A percepção alterada, por meio de uma substância ilicita, faz com 
                      que um jovem adentre em uma viagem que ele não vai esquecer. 
                      Uma singela homenagem ao curso de Cinema e Audiovisual.

                     Humano, Egocêntrico
                     de Lena Araújo (7'49'')
                     A história de um homem que morre de amor pelo seu Ego.

                     D[u]o
                     de Lohayne Lima e Mariana Lage (3'35'')
                     D[u]o (termo originário do vocábulo em latim duo, que significa dois) é uma 
                     videoarte que busca representar a ideia de dualidade a partir dança. 
                     Na realidade atual, em que o clássico  perde espaço para a tida cultura 
                     de massa, em D[u]o trabalha-se esse parâmetro clássico e contemporâneo 
                     dentro da dicotomia claro e escuro, velho e novo.

                    Tudo que você queria ser
                    de Lara Vasconcelos (15'50'')
                    Sozinha, em uma casa que não é sua, 
                    Nádia precisa guardar o passado para encontrar seu próprio caminho.


 

DIA 16 - 19:30 - Programa 2: É Impossível Aprender a Arar Lendo Livros | Realização I

<< Se compararmos os trabalhos feitos no primeiro dia de aula com esses de final de disciplina, vamos perceber o quanto foi importante PRATICAR de fato cinema. A evolução de todos mostrou o quanto esses cinco meses em que aconteceu a disciplina de realização I foi importante para um amadurecimento de todos, para uma valorização do curso pelos próprios alunos e para deixar claro que não basta ficar na sala de aula, tem que ir muito além, tem que viver o FAZER cinema na sua verdadeira forma. >> Tavares Neto

                     Noites Eternas
                     de Mariana Gomes e Mariana Lage (14')
                     Uma noite. Várias noites. Madrugadas inteiras.
                     Velhos tempos. Novos tempos. Bons tempos.
                     Dias curtos. Dias chatos. Dias tensos. Noites eternas.

                     Alvejado
                     de Renata Rolim (8' 20'')
                     Uma história comum. Tão comum que não merece acontecer.
 
                    Cópia
                    de Wislan Esmeraldo e Regis Cunha (19' 59'')
                    Uma jovem dona de casa foge da rotina indo ao cinema, buscando amenizar 
                    a dor de um casamento mal sucedido. Cada filme é uma nova inspiração para 
                    resgatar a relação, transportando-a para um mundo novo e cheio de possibilidades.


                    Casarão
                    de Mariana Mori (12'51'')
                    Felipe entra em um casarão onde coisas estranhas acontecem.
                    Sem saber, ele estabelece uma conexão frenética com a casa, o que o 
                    conduz a desvendar os seus mistérios.


DIAS 16 E 17: Outer and Inner Space - Oficina de Vídeo (Videoinstalações)

                     Maria Navegante
                     de Nathália Alves (3'38'' - em looping)
                     Pausa para o almoço. Sorrisos.

                     O Beijo
                     de Al Mitchu (3'30'' - em looping)
                     Vídeo-instalação que procura provocar uma sensação de imersão na água 
                     sentindo a leveza de estar no líquido em suas constantes mudanças e fluidez 
                     juntamente com os dois performers, que são uma alegoria de Lancelot e                                    Guinevere em seu último ato de adultério, representando, assim, o Beijo,                                 de Rodin.

                     Desertos
                     de Emilly Gama (6' - em looping)
                     Em uma cidade entre dois desertos, um corpo.  Imagem, miragem.
                     Desertos de mar e areia, um entre-lugar.


                     Dois Perdidos
                     de Delano Soares (15')
                     Dois jovens resolvem passar o feriado de Carnaval longe da folia das                       cidades. No que apenas seria vontade de se isolar das festas, torna-se 
                     um momento de auto-descoberta.